O clamor, chamor ou cramor é uma prática religiosa coletiva que se desenvolveu em Portugal desde tempos remotos, principalmente em áreas rurais do norte do país, em resposta a calamidades naturais como secas, enchentes ou pragas que afetavam a agricultura e a subsistência das comunidades. Essa prática consistia numa súplica e penitência feitas em voz alta e repetidas insistentemente enquanto se percorria um trajeto pré-determinado, geralmente desde um ponto escolhido até um local elevado onde havia um mosteiro, igreja, capela ou uma simples cruz.
O ritual do clamor envolvia caminhar pausadamente enquanto se recitavam orações em voz alta, muitas vezes acompanhado pelo som de sinos e tambores. Esse trajeto simbolizava a jornada espiritual dos participantes, da sua vida quotidiana até a elevação espiritual em direção a Deus. Essa caminhada coletiva também evocava simbolicamente a jornada dos hebreus através do deserto, o caminho de Cristo da cruz à ressurreição e o percurso dos homens pelas penúrias da vida até ao Além.
A maioria dos clamores terminava com uma missa e um sermão, onde o sacerdote dirigia palavras de esperança e conforto à comunidade, bem como agradecia a Deus pela chuva, pelo fim da praga ou pela recuperação das colheitas. A prática do clamor era profundamente enraizada na fé popular, que acreditava que somente uma divindade superior poderia acalmar as forças da natureza e mudar as condições atmosféricas para atender às necessidades dos homens.
Ao longo dos séculos, a prática do clamor tornou-se uma tradição cultural importante em Portugal, a ser registada em manuscritos setecentistas e documentada em relatos históricos. Há registos de clamores que ocorreram desde os séculos XVI e XVII até ao final do século XIX em diversas regiões do país. O exemplo mais conhecido e duradouro é o clamor de Santo Isidoro, que ocorreu em várias aldeias dos termos de Viana do Castelo e Caminha por mais de 400 anos, entre o século XVI e 1969.
bibliografia
- Oliveira, M. G. (2007). A Confraria de Santo Isidoro e seus Clamores Alto Minho – Sécs XVI-XX. Via Spiritus, 14(14), 109-124. https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6124.pdf
- VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa (1799). Elucidario das palavras, termos, e frases, que em Portugal antiguamente se usarão. Tomo II. Lisboa: Typographia Regia Silviana.
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